Exposição no V&A Museum of Childhood em Londres de 9/10/2010 até 9/1/2011

Do site do Museu:
Collecting and making paper models has been a popular pastime since the later part of the eighteenth century, with companies such as Pellerin, Schreiber, Micro Models and Milton Bradley in Europe and America producing some of the most collectible versions.
The exhibition is divided into three areas. The first concentrates on architects, architecture and paper models produced specifically for adults. The second is a display of a model town, exploring how in addition to famous landmarks, schools and shops, stations and windmills were also very popular to collect and make. The third theme looks at paper models produced for children, and how they have been adapted over time to make them easier to play with, using themes of entertainment and education. As part of the exhibition, visitors will be invited to make their own 3D paper buildings as part of a giant collaborative cityscape.

Fonte: http://www.vam.ac.uk

O brinquedo de Malévitch

Em Fevereiro de 2009 estive em Paris para um "fim-de-semana sem filhas" (só quem é pai sabe o que isto significa). Mesmo já tendo lá estado muitos anos antes, resolvi fazer uma visita ao Centre Pompidou e, já agora, ver a sua colecção de arte contemporânea. Na altura já estava interessado nos brinquedos mas ainda não investigava de forma sistemática a ligação destes com a Arquitectura. Quando, no último andar da exposição, encontrei os modelos originais dos ornamentos suprematista de Kasimir Malévitch pensei logo: “isto dava um belíssimo brinquedo”, do género dos produzidos pela firma suíça Naef. Lembrei-me das fantásticas construções desenhadas em 1924 por Alma Siedhoff-Buscher ou ainda das de Ladislav Sutnar, sobre as quais já escrevi um post em Março. Fotografei-os e continuei o meu passeio predizendo que, mais tarde, iria pensar no assunto com mais tempo e seriedade. Desta ideia podia surgir alguma coisa mesmo interessante.

Kasimir Malévitch  (1878-1935) era pintor e fez partedas vanguardas do abstractismo russo do princípio do século XX. Mais especificamente, fundou o suprematismo, um movimento artístico centrado nas forma geométricas básicas, como o quadrado e o círculo, tanto na sua aplicação bi como tridimensional. Malévitch chamou a este movimento suprematismo por considerar a arte abstracta superior a figurativa tanto de um ponto de vista intelectual como social. A representação de objectos ou seres viventes , segundo o pintor, não devia interessar o artista cuja obrigação era a de abandonar qualquer relação com a  realidade e concentrando-se na absoluta pureza geométrica. 
O que está exposto no Pompidou são umas maquetas com as quais Malévitch investigava padrões compositivos e decorativos tridimensionais. A conjugação de vários sólidos básicos é feita através de algumas regras geométricas que garantem uma concordância entre as partes digna de uma composição fractal.

Tenho que admitir que nunca mais pensei no assunto desde que voltei de Paris. Quando viajamos fazemos sempre muitos projectos que, de regresso, se dissolvem mal desfazemos as malas.
Nunca mais pensei no assunto até a semana passada quando, enquanto navegava na rede, encontrei isto: http://www.beamalevich.com/ e pensei que, de facto, nunca estamos sozinhos… nem nos sonhos.
Agora só falta mandar vir uma caixa.

Alfred Carlton Gilbert, o homem que salvou o Natal

Desde que comecei a escrever sobre as ligações que existem entre brinquedos e Arquitectura fui percebendo, mais nitidamente, que as alterações que aconteceram por volta dos anos 1970 são, na grande maioria, irreversíveis. As razões são muitas: a adopção do plástico como material de preferência absoluta (por óbvias razões económicas), a entrada em vigor de uma legislação severa para tutelar a saúde das crianças, a vulgarização da electrónica e, mais recentemente, dos dispositivos digitais tanto no mundo dos adultos como no das crianças. Estas são só algumas das razões que provocaram uma verdadeira revolução na produção dos brinquedos.

Um dos exemplos mais claro desta minha linha de pensamento encontra-se na história de um norte-americano que fez sonhar várias gerações de crianças com brinquedos de rara beleza, inteligência e capacidade pedagógica mas que, no entanto, desapareceram quase por completo. Esta é uma daquelas histórias dos tempos passados em que uma vida se transformou numa lenda. Prestem atenção.

Alfred Carlton Gilbert nasceu em Salem, Oregon, EUA, no dia 13 de Fevereiro de 1884. Começou o seu percurso académico na Pacific University e, em 1902 transferiu-se para a Yale University onde se licenciou em Medicina do Desporto, que nunca chegou a praticar. Desde muito cedo financiou os estudos trabalhando como mágico e chegando a ganhar 100 dólares por noite, quantia que, nos princípios de 1900, era uma pequena fortuna. A sua destreza e paixão pela magia, que tinha desde muito novo, levou-o mais tarde, em 1909, a fundar a Mysto Manufacturing, uma firma que, na altura, produzia truques de magia para as crianças. Desde o liceu, Gilbert destacou-se entre os seus colegas pelos dotes atléticos: era um exímio lutador, um corredor veloz e incansável e um excelente futebolista. Em 1900, ultrapassou o recorde mundial de elevações na barra com 39 subidas num 1 minuto. Conseguiu dois recordes mundiais no salto com a vara: um em 1906, outro em 1908. Em 1906, alcançou os 3,66 metros de altura nos jogos atléticos de Nova Iorque. Em 1908, pouco antes de ultimar a licenciatura, participou nos jogos olímpicos de Londres onde ganhou uma medalha de ouro na mesma modalidade com a medida de 3,71 metros de altura.

Além dos dotes atléticos, Guilbert possuia uma mente verdadeiramente fervilhante. Ao longo da sua vida registou mais de 150 patentes, algumas de produtos eléctricos outras, a maior parte, de brinquedos. De facto, a razão pela qual a maioria das pessoas que já conhecia este inventor deve-se ao facto de Guilbert ter projectado e desenvolvido um dos brinquedos mais populares do século XX: o Erector Set. A lenda conta que, em 1911, Guilbert, numa das viagens entre New Haven, onde vivia, e Nova Iorque, teve a inspiração para projectar e construir um sistema de construções produzido em metal inspirado na arquitectura norte-americana em ferro do início do século XX. Guilbert sempre defendeu a originalidade da sua invenção, todavia, a verdade é que um ano antes desta ter sido lançada no mercado já existia, no mercado inglês o Meccano do inglês Frank Hornby. O Meccano era, de facto, demasiado parecido para que se possa falar em coincidências: inventado e patenteado em 1901, começou a ser produzido em 1908 e seguiu uma história próxima à da Erector, tão próxima que o destino deste último será, como direi mais adiante, de ser adquirida pela Meccano que, por várias razões, conseguiu sobreviver até aos dias de hoje.

O primeiro Erector Set, produzido pela Mysto Manufacturing, foi colocado no mercado em 1913 com 8 caixas diferentes, numeradas de 1 a 8. A caixa número 3 tinha peças suficientes para construir 55 modelos diferentes e custava só 3 dólares. A versão mais completa, a caixa nº 8, trazia 740 peças, uma chave de fendas e um motor eléctrico. Com todas estas peças era possível construir 100 modelos, alguns dos quais motorizados. Esta caixa custava 25 dólares e tinha uma pequena fechadura para que os irmãos mais novos não pudessem desarrumar as centenas de pequenas peças metálicas. Para compreender a qualidade intelectual e cultural destes brinquedos é necessário voltar ao princípio do século XX e verificar que as crianças dessa época tiveram uma oportunidade talvez única na história: brincar com uma versão reduzida dos grandes paradigmas de produção que lhe eram contemporâneos. 
Em 1902 foi ultimado o Flatiron Building em Nova Iorque (o primeiro arranha-céu e, durante muitos anos, o edifício mais alto da cidade). Em 1903 os irmãos Wright, produtores de bicicletas, conseguiram levar a cabo o que ficou registado pela Federação Internacional de Aeronáutica (FAI) como o primeiro voo humano totalmente controlado sobre um meio mecânico, o Flyer 1. Em 1908 Henry Ford começou a produção do modelo Ford T, o primeiro carro a ser produzido em massa. Se conseguirmos imaginar o fervor tecnológico destes anos conseguimos compreender a perfeita sintonia que existia entre o Erector Set e o seu tempo.

Guilber não se limitou a produzir e vender os brinquedos que produzia. Apesar de colocar as instruções no interior de cada caixa, encorajava as crianças a criar os próprios projectos chegando, para isso, a oferecer prémios: as construções mais inovadoras podiam ganhar carros, póneis e grandes quantias de dinheiro. Com centenas de cartas e de projectos que eram enviados todas as semanas e não tendo tempo para fazer uma selecção justa, Guilbert fundou o Guilbert Institute of Erector Engineering que passou a atribuir o título de Engenheiro a todos os que enviavam um novo modelo. Para quem tivesse apresentado mais projectos, além de ganhar a subscrição da revista Erector Tips, podia ficar com o título de “Expert Engineer” ou de “Master Engineer”. Com um marketing tão intenso, a A. C. Guilbert Company tornou-se a maior empresa de produção de brinquedos dos Estados Unidos, tendo continuado a alterar e melhorar os conjuntos da Erector Set durante várias décadas. 


O Erector foi de tal forma divulgado, vendido e utilizado que o seu uso ultrapassou, muitas vezes, a mera brincadeira tendo alimentado, em muitos casos, histórias de sucesso nas mais variadas áreas. Uma delas é a de Donald Bailey, um engenheiro funcionário do British War Office, que tinha o hobby de desenhar e construir modelos de pontes. Em 1940 apresentou aos seus superiores um projecto de uma ponte feita por elementos prefabricados. O modelo era integralmente feito com peças Erector e convenceu os superiores de Bailey que valia a pena formar uma equipa de engenheiros do Britain's Royal Engineers para avançar com o projecto. Estes, após terem verificado a sua exequibilidade, mandaram construir uma versão em escala real no Military Engineering Experimental Establishment (MEXE), perto de Dorset, Inglaterra. A ponte demonstrou uma enorme facilidade de construção, transporte, adaptabilidade e manutenção. A partir de 1944, as pontes Bailey, que ficaram com o nome do inventor original apesar de uma batalha legal para lhe tirar a patente, começaram a ser produzidas tanto em Inglaterra como nos EUA tento sido extremamente úteis em muitas batalhas da segunda Guerra Mundial, chegando a serem citadas pelo presidente dos Estado Unidos Eisenhower como um dos três mais importantes avanços tecnológicos da guerra, a par do radar e dos aviões bombardeiros.

Outra história refere-se ao estudante da Yale Medical School, William Sewell que, em 1949, utilizou as peças Erector para construir o que ficou conhecido na história da medicina como o primeiro coração artificial. Numa experiência, Sewell conseguiu manter um cão com vida durante 63 minutos. Em muitas outras invenções o Erector teve um papel determinante; é o caso das atracções do parque de diversões Disney Adventure na Califórnia ou as lentes de contacto moles inventadas pelo químico checo Otto Wichterle em 1961 utilizando, justamente, um engenho construído com peças Erector. De qualquer forma, para aqueles que queiram saber mais existe o interessantíssimo livro de Bruce Watson intitulado The Man Who Changed How Boys and Toys Were Made.

Guilbert conhecia a importância da brincadeira e, além do sistema Erector, desenvolveu e colocou á venda uma grande variedade de outros produtos. O interessante é que a maioria destes objectos, hoje em dia, seria absolutamente proibida. Além de telescópios, puzzles metálicos ou miniaturas de comboios, eram vendidas caixas para se fazerem experiências químicas (com cianeto e cloro), um kit para soprar vidro (que necessitava de atingir os 1250º para transformar a areia em vidro), e um kit de energia atómica (sim leram bem… a caixa até tinha algumas peças de urânio radioactivo e um contador Geiger). Como mudaram os tempos, e como mudaram os brinquedos...

A utilidade dos brinquedos era considerada de tal ordem importante que, em 1918, Guilbert tomou uma decisão que o fez ficar na história com a alcunha de “o homem que salvou o Natal”. Tal como em todo o mundo, nos Estado Unidos, a Primeira Guerra Mundial era uma prioridade nacional e absorvia todos os esforços da indústria e da economia. Nesse contexto Concelho de Defesa Nacional discutiu a possibilidade de impor uma restrição na venda dos brinquedos. Na altura Guilbert estava a acabar o seu mandato de dois anos como director do Toy Manufacturers of Amercan e conseguiu obter uma audiência com o Concelho de Defesa Nacional em Washington; levou consigo várias caixas de Erector Set, além de muitos outros brinquedos que a A. C. Guilbert tinha em produção. Quando lhe foi permitido entrar proferiu um discurso memorável onde chegou a dizer: “You can’t stop toy production. These are your future architects. These are your future engineers.” Os membros do Concelho retiraram a discussão da ordem do dia, levaram os brinquedos para casa e Guilbert transformou-se num herói. Esta história é contada no filme de 2002 "The man who saved the christmas", protagonizado por Jason Alexander, o mesmo actor que ficou odiado por todos quando teve o papel de George Costanza da serie televisiva Seinfeld.

Nos anos 1920 a A. C. Guilbert atingiu o seu auge e a gama de peças foi aumentada para permitir a construção de modelos mais complexos. A empresa aguentou-se atravessando a Grande Depressão de 1929. Mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial os EUA assistiram ao Baby-Boom e entre 1940 e 1960 o Erector era um dos brinquedos obrigatórios para qualquer criança americana. Para compreender a difusão e a fama que este brinquedo tinha atingido basta fazer uma rápida pesquisa na Internet ou nos sites de leilões e constatar a quantidade de material que, ainda hoje, se encontra em circulação.

A partir de 1960 o plástico começou a ser o material dominante nos brinquedos. A Lego tornou-se o principal protagonista e o Erector já não possuia o halo de modernidade que tinha no princípio do século. Alfred Carlton Gilbert morreu em 1961 com a idade de 77 anos; no ano seguinte a marca será comprada pela sua rival histórica: a Meccano. Nos EUA ainda se vendem caixas Erector (praticamente iguais às que se vendem por cá sob o nome Meccano), mas muito se perdeu. Actualmente, tanto a Meccano como a Erector não passam de brinquedos bastante banais que em pouco lembram o antigo esplendor que estes produtos chegaram a ter no passado.

Moral da história? Sem dúvida os brinquedos mudaram muito; como já tive a oportunidade de escrever, os anos 1970 e a electrónica feriram de morte os jogos de construções. Mas outras coisas mudaram também. Não falo do facto de que já não é muito consensual pôr os nossos filhos a brincar com urânio radioactivo ou a fazer experiências químicas com cianeto, refiro-me a uma forma de brincar altamente educativa em que a manualidade e o conhecimento das bases dos fenómenos está sempre presente. Apertar um parafuso, construir uma torre que fique de pé ou ligar os pólos de uma bateria de forma correcta a um motor, são operações aparentemente básicas mas que reúnem um conhecimento pragmático que as novas gerações já não podem aprender através da brincadeira. É ainda a velha história do ensino profissionalizante que foi sistematicamente desmantelado ao longo de três décadas de educação em que se pensava que a sociedade podia ser feita só de trolhas ou engenheiros. Foi-se perdendo um inteiro bloco intermédio da sociedade e, com este, do conhecimento e de oportunidades de inovação. A manualidade não é necessariamente uma competência inferior às meramente intelectuais, é uma forma de expressão e de realização extremamente elevada e nobre.
Para quem tenha vontade de continuar a pensar no assunto deixo uma frase do filósofo Anaxágoras: “O homem é inteligente porque tem mãos”.

Alguma bibliografia de e sobre Guilbert:
Gilbert, A.C., with Marshall McClintock. The Man Who Lived in Paradise. New York: Rhinehart, 1954.
Watson, Bruce. "The Man Who Saved Christmas." Smithsonian Magazine, May 1999, 120-34.
Watson, Bruce. The Man Who Changed How Boys and Toys Were Made: The Life and Times of A. C. Gilbert. Reprint ed. New York: Penguin Books, 2003.

E alguns sites sobre o Erector Set:
http://www.jitterbuzz.com/erector.html
http://www.girdersandgears.com/
http://www.eliwhitney.org/new/museum/-gilbert-project/-collections/erector-sets

Uma casa como um brinquedo

Quem tem filhos sabe como as crianças mudam as nossas casas.  Desde as paredes pintadas, passando pela constante desarrumação, existem muitos aspectos que só muito raramente são tidos em conta quanto uma casa é desenhada. Poucos pensam como seriam as casas se as crianças entrassem no projecto de Arquitectura desde as primeiras ideias. Se, por outras palavras, o arquitecto tentasse desenhar, além de uma casa, uma espécie de grande brinquedo habitável. 
Neste projecto, do atelier indonésio Aboday, a casa é pensada como espaço de crescimento e de divertimento do filho dos donos. Do site Dezeen: "The house will be mostly occupied by a multi generation family of 3. However, the king of the house is a 5 year old boy who thinks that life is all about play, hence the design of the house.

Assim, o elemento mais característico desta casa torna-se um escorrega em betão que une directamente o quarto com a sala de jantar. Já não há desculpas para chegar atrasado quando o jantar estiver na mesa...



Fontes: http://www.dezeen.com

Mint Toy Museum - Singapore

Nos casos que apresentei até agora a Arquitectura conseguiu, de alguma forma, auxiliar e melhorar (ou simplesmente caracterizar) a produção de brinquedos. Esta vez irei falar de um caso contrário em que os brinquedos serviram de pretexto para que fosse produzida uma boa Arquitectura.

Os ingredientes são do melhor: um engenheiro electrotécnico com muito dinheiro e dono de uma das maiores e mais completas colecções de brinquedos do mundo e um gabinete de arquitectura que se farta de ganhar prémios. O resultado é o primeiro, e até agora único, edifício projectado de raiz e de propósito para ser um museu do brinquedo. O engenheiro chama-se Yang Chang Fa, tem 60 anos e possui uma colecção de mais de 100.000 peças vindas de mais de 40 países diferentes e coleccionadas ao longo de 30 anos. O gabinete de arquitectura é o SCDA, dirigido por Chan Soo Khian e sediado em Singapura, e os seus projectos já ganharam várias dezenas de prémios internacionais.

A colecção de Chang, além de ser tão numerosa quanto valiosa, possui várias sub-colecções extremamente completas: brinquedos Dan Dare (uma personagem de ficção científica inglesa dos anos 50), bonecas chinesas “door of hope” (cujo nome é devido às missões cristãs do princípio do século XX na China), uma das maiores colecções de brinquedos do mundo dedicados a Batman, e outra, igualmente grande e completa, dedicada a Disney. Muitas peças são únicas no planeta e é possível encontrar brinquedos de praticamente todos os tipos, idades e valor.

O edifício é também algo notável: num lote de somente 5.5 metros de largura por 27.5 de comprimento (com estas medidas poderia muito bem ter sido um lote na baixa no Porto…), o Mint Museum reconhece-se pela sua fachada integralmente revestida de paneis de vidro, cortados às curvas, atrás dos quais se encontram cinco andares cheios de brinquedos. 
O interior é cautelosamente iluminado através da refracção da luz que atravessa as lâminas de vidro colocadas ortogonalmente à fachada. Esta solução consegue iluminar o interior sem expor os brinquedos à agressividade da luz solar. No interior, um sistema de rampas e um elevador central distribuem os visitadores pelos vários pisos onde os brinquedos se encontram organizados em vitrinas retro-iluminadas. Algumas zonas possuem pé-direito duplo e, em zonas estratégicas, os pisos comunicam visualmente através de pavimentos em vidro. No rés-do-chão do edifício encontra-se um café com restaurante e loja de vinhos cujas decorações estão em sintonia com o restante espaço de exposição. Na cobertura, um grande terraço com vista para a cidade é o palco de frequentes festas e eventos mundanos.

A qualidade do projecto, tanto de um ponto de vista arquitectónico como turístico e cultural, valeu ao Mint Museum um prémio no Cityscape Dubai Architectural Awards na categoria Turismo,Viagens e Transportes, além do Chicago Athenaeum International Architectural Awards

O site do museu: http://www.emint.com/
Para uma visita virtual ao edifício: http://www.singaporevr.com/vrs/MintMuseum/Architecture.html

Educação precoce

E se, ao invés de brincar com uma mesinha qualquer,  a criança brincasse com uma mesa desenhada por Arne Jacobsen? E se, já agora, ao invés de se sentar numa cadeira IKEA se sentasse numa cadeirinha desenhada por Charles Eames?  Ou se  se deitasse num sofá desenhado por Le Cobusier?  Estaremos a fomentar alguma coisa? Alguma forma de sensibilidade ou de gosto particular? Até que ponto podemos tornar o mundo das crianças numa cópia em ponto pequeno do mundo dos adultos, de forma a reconstruir as relações que estabelecemos com os objectos e, mais especificamente, com as peças de design que apreciamos?
Estou piamente convencido da importância que tem o contacto com o design desde a mais tenra idade. É uma forma de cultura, de educação como qualquer outra. Como o desporto, a música ou a arte em geral. Quanto mais a criança entra em contacto com estas manifestações humanas, melhor será para a sua formação enquanto ser humano e ser social.
Para quem queira experimentar, a Little Nest é uma firma australiana que produz réplicas das cadeiras de design mais famosas  e intemporais, permitindo a todos os pais uma educação em Design e em Arquitectura muito precoce. Tenho que admitir que se não fossem tão caras, já teria mandado vir umas para as minhas filhas.

Philiform, a Philips e os brinquedos

Creio que poucos sabem que a Royal Philips Electronics, mais conhecida como Philips, em 1969 lembrou-se de produzir e pôr à venda um sistema de construções em plástico muito parecido com o Lego, a que chamaram Philiform. O sucesso foi de tal ordem que três anos mais tarde, em 1972, a produção já tinha sido interrompida e nunca mais foi retomada.

Em boa verdade, não foi a única vez que este colosso da electrónica, que começou em 1891 a produzir lâmpadas e se tornou rapidamente um dos maiores fabricantes de iluminação e de electrónica do mundo, decidiu produzir brinquedos. Em 1951 o brinquedo Pioner permitia aos jovens construir um rádio com todos os componentes necessários ao seu funcionamento. Nos anos 60, tinha produzido o sistema de construções EE (Electrical Engineer): kits com os quais se podiam construir vários dispositivos electrónicos. Em 1965, um sistema em metal muito parecido com o Meccano, o denominado ME (Mechanical Engineer) podia ser combinado com os anteriores para produzir pequenos engenhos electrónicos. Em 1970, foi a vez da química com o sistema CE,  uma série de laboratórios em miniatura: existia o de química inorgânica, o de orgânica e o dedicado aos polímeros. Em 1972 o sistema FE abordava as leis da física. Finalmente, em 1971, em sintonia com as tendências da altura, surgiu o CL com o qual as crianças podiam compreender o funcionamento de um sistema digital. Sobre estes brinquedos existem muitos sites de nostálgicos que se dedicam à divulgação de material e de informações.

Tal como acontecia com todas as outras séries de brinquedos produzidos pela Philips, as caixas da Philiform eram particularmente bonitas; um design gráfico digno dos melhores produtos da época. Dentro, as peças eram muito parecidas com as Lego (provavelmente demasiado parecidas…) e as instruções indicavam como construir vários objectos, mantendo sempre  uma certa predilecção por veículos e máquinas. Todavia, o sistema não era compatível com o Lego, não podendo, desta forma, servir como integração ou expansão deste.

Philiform era produzido pela famosa Mettoy Playcraft, a mesma firma que produzia, desde 1934, alguns dos brinquedos de maior sucesso em Inglaterra (os carrinhos Corgi, por exemplo) e que aguentou duas guerras, produzindo armas e munições (o mesmo que fizeram muitas fábricas europeias entre as quais, por exemplo, a Line Bros ou a Britans). Todavia, nos princípios dos anos 70, o mercado dos brinquedos norte-americano estava em forte expansão e isto teve enormes repercussões no europeu. A Mettoy Playcraft entrou numa crise da qual nunca mais conseguiu sair, até 1989, ano em que foi vendida ao colosso Mattel ficando só um vestígio seu na Corgi Classics Limited. Além disso, nos anos 70, aconteceu uma profunda mudança de paradigmas, com a introdução maciça dos brinquedos electrónicos e dos primeiros videojogos. Desta década são as consolas Atari, os jogos Pong e Space Invaders. O sistema Philiform, apesar de ser bem construído e razoavelmente bem pensado no seu conjunto era, quando comparado com o Lego, bastante limitado e, sobretudo, muito feio. Os modelos que podiam ser construídos eram visualmente frágeis e a comparação com o sistema dinamarquês rival era inevitável resultando sempre num fracasso para o Philiform (ver post anterior).

Referências
http://www.philiform.com/

And the winner is...

Um recente inquérito realizado pelo site Firebox (um site de vendas online de brinquedos) revelou que o Lego é o brinquedo mais popular do mundo. As mais de três mil respostas foram divididas em duas classificatórias: a dos homens e a das mulheres. A primeira foi encabeçada pelo Lego seguido pelo Game Boy, os Transformers e o Action Man. Na segunda, a das mulheres, o primeiro lugar foi claramente ocupado pela Barbie seguida, e aqui é o mais curioso, pela Lego. Seguem My Little Pony, a Game Boy e a Sindy (o que é devido ao facto do inquérito ter sido feito por um site inglês).
O brinquedo dinamarquês, que é produzido desde o princípio da década de 30 do século XX, ganhou com uma margem substancial: 78% das mulheres e 63% dos homens o preferiram entre muitos.
Este resultado ficou confirmado num artigo publicado no UK Telegraph que publica outro inquérito feito pelo site inglês de vendas online Argos em que o Lego foi preferido pelo 56% dos inquiridos.
Já brinquei muito com os Lego e os considero um dos brinquedos mais saudáveis e criativos que alguma vez foram feitos. Um dia destes vou ter que escrever um artigo sobre a fascinante história de Ole Kirk Christiansen (1891-1958), um humilde carpinteiro dinamarquês que construía modelos em escala dos móveis para os vender e um dia percebeu que o que fazia melhor não eram os móveis mas eram mesmo os modelos…

O brinquedo de arquitectura segundo Douglas Coupland

Para os jovens da minha geração (1970) que tenham, ou tenham tido, algum gosto pela leitura ,o nome de Douglas Coupland não é certamente uma novidade. Geração X, o seu primeiro e mais famoso livro, de 1991, tornou-se rapidamente numa novela de culto, lançando o seu autor para o estrelado literário, segundo uma trajectória verdadeiramente meteorítica. Considerada uma obra tipicamente pós-moderna, foi a primeira de uma longa série de livros. Desde então, Coupland já escreveu mais dez novelas e vários ensaios com traduções em 36 línguas. A sua última obra, uma biografia sobre o filósofo visionário Marshall McLuhan, foi editada em Março de 2010.

O que me leva a falar de Coupland, hoje e aqui, é ter descoberto que este autor canadiano, com formação em artes em Vancuver, Milão e Sapporo, foi responsável em 2005 por uma instalação no Canadian Centre for Architecture (CCA) com o título “Super City”.
Para compreender melhor, falta dizer duas coisas: a primeira é que a instalação de Coupland no CCA segue uma série de exposições (6 desde 1991) ao longo das quais o Centro foi mostrando a sua colecção de brinquedos de Arquitectura. Uma colecção, anteriormente propriedade de Norman Brosterman (ver artigo de Junho), considerada a maior e mais importante colecção deste género de propriedade de uma instituição. A segunda coisa é que Super City não é só o título da instalação mas é, sobretudo, o nome de um brinquedo considerado, justamente pelo próprio Douglas, nada mais que "the best building kit ever made—possibly even better than Lego."

Na altura, num artigo da archiseek.com: "Illustrating his theory that building toys have the power to feed themselves back into the real world of objects and ideas, Coupland’s Super City installation invokes an imaginary urbanscape by deftly combining scale-models of high-rise buildings, monuments, and infrastructural elements with an assortment of parts from the various building kits in his personal collection. Toronto 's monumental CN Tower (1976), segments of the U.S. interstate highway system, and typical American water towers, and most infamously, the World Trade Center towers by Yamasaki (1966–77) destroyed on 11 September 2001, are all integrated with parts from the Super City, Tinkertoy, Jumbo Lego, Meccano, Tog'L, and Matador kits. Occupying a space 12' x 12' x 12', the assemblage of shapes and objects is uniformly painted white, echoing Coupland's recollection that as a child, he perceived "everything in the Lego universe as perfect and crisp and anti-death.... Lego was the future. White. Clean. Plastic." 

Uma história bizarra a deste brinquedo que foi lançado pela Ideal Toys, um dos maiores fabricantes de brinquedos norte-americanos, em 1967 e retirado do mercado no ano seguinte, Diferentemente do Lego, por exemplo, Super City é um brinquedo destinado exclusivamente à construção de edifícios. As peças, feitas de plástico, juntavam-se segundo uma lógica construtiva extremamente parecida com a adoptada nos edifícios prefabricados que, mesmo nos anos 70, representavam um paradigma de progresso e industrialização da Arquitectura e que estavam a ser projectados e construídos pelo mundo fora. Pilares e vigas uniam-se em ângulo recto criando gaiolas estruturais que podiam ser tapadas com elementos opacos, janelas ou outros tipos de painéis com diferentes acabamentos. Resultavam sempre em edifícios caracterizados por uma linguagem extremamente moderna e absolutamente coerente com a época.

As tipologias propostas na caixa de montagem eram heliportos, centros de investigação, estações e arranha-céus. "Anything made from Super City looked like a Craig Elwood or a Neutra or a Wallace K. Harrison", comentou Coupland, segundo o qual o fracasso deveu-se à excessiva sofisticação do brinquedo para as crianças que o recebiam.

Para quem queira saber mais, sobre seja o que for, há sempre o Google. Aconselho só uma rápida visita à casa de Douglas Coupland, onde se podem ver algumas construções feitas com Super City.

A colecção de Jackie Britton

Existem muitas colecções de brinquedos de arquitectura mas poucas delas são publicamente conhecidas e tão pouco visíveis. Todavia, quando já se possui algum conhecimento na matéria, torna-se mais fácil encontrar pistas que podem levar, em alguns casos, a descobertas muito interessantes. É justamente isto que me aconteceu outro dia quando encontrei a colecção de brinquedos de Jackie Britton.
Dela sei pouca coisa: é inglesa e sempre adorou edifícios e Arquitectura; em 1993, visitou uma exposição em Londres organizada pelo RIBA (Royal Institute of British Architects) dedicada aos brinquedos de arquitectura e, desde então, é uma coleccionadora muito activa e disciplinada. Só falta dizer que Jackie trabalha num museu onde aprendeu o gosto para o coleccionismo e as rotinas de conservação e de catalogação que lhe estão associadas.

O nome do seu blog não deixa dúvidas: http://architoys.net/blog.
Não deixem de visitar o seu perfil no Flickr em: http://www.flickr.com/photos/25270435@N03/ e o seu site, ainda em construção, em: http://www.architoys.net.

Inventig Kindergarten de Norman Brosterman

Já tive oportunidade de falar na invenção do Jardim-de-infância (kindergarten) num post de Março 2010 sobre Friedrich Fröbel e sobre os seus gifts; este livro trata deste assunto com maior amplitude e aprofundamento.

Sobre o autor: arquitecto, artista, mercante de arte, escritor, escultor, curador e coleccionador, Norman Brosterman  (1952-) é uma personagem particularmente interessante no âmbito dos brinquedos e da arquitectura principalmente por duas razões. A primeira é que era um dos maiores coleccionadores de brinquedos de arquitectura. Actualmente a sua colecção encontra-se no Centro de Arquitectura do Canadá em Montreal. Esta colecção foi exposta, entre Dezembro de 1991 e Março de 1992, no CCA na exposição “Potential Architecture: Construction Toys from the CCA Collection”. Além disso Brosterman encontra-se ligado a outra grande colecção acerca do qual irei falar em futuro: a do nova-iorquino Paul Neuman.
A segunda razão que torna Brosterman interessante é, justamente, o facto de ter escrito este livro.

Sobre o livro: com as notáveis fotografias de Kiyoshi Togashi, além de reunir uma descrição pormenorizada de cada um dos gifts de Fröbel, dos quais Brosterman possui uma invejável colecção, relaciona o fenómeno do kindergarten com as origens do ensino artístico do século XX. Citando exemplos de artistas conhecidos como George Braque, Piet Mondrian, Paul Klee, Wassily Kandinsky, Frank Lloyd Wright ou Le Corbusier, o autor procura demonstrar que a ideia do kindergarten reside na base da concepção moderna do ensino de arte baseado no poder na abstracção geométrica.

Brosterman, Norman. 1997. Inventig Kindergarten. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers

O sonho de qualquer criança: uma casa de Lego

O seu nome é James May e em Portugal é conhecido por ser um dos condutores do famoso programa televisivo Top Gear, juntamente com Jeremy Clarkson e Richard Hammond. Nesta série a sua alcunha é Captain Slow por ser, entre os três, o que conduz mais devagar (com excepção de quando, em 2007, conduziu um Bugatti Veyron até aos 407 km/h).
Em Inglaterra a sua carreira televisiva vai muito além de Top Gear. Desde 1999 é apresentador principal em vários programas sobre vinhos (Oz and James's Big Wine Adventure), sobre invenções do século XX (James May's 20th Century), sobre grandes ideias (James May's Big Ideas), além de outras coisa entre as quais, cá estamos nós, os brinquedos.
May é, de facto, um grande apaixonado por brinquedos e o seu documentário James May's Top Toys, de 2005, foi o primeiro de vários programas que este jornalista de 47 anos dedicou a esta paixão.
Em 2009, começou a produção e a sucessiva transmissão do programa James May's Toy Stories. Em cada um dos 6 episódios era escolhido um brinquedo e era lançado um desafio nunca antes visto. Assim conseguiu-se construir um avião em kit de montar da Airfix em escala 1:1; um inteiro jardim de flores feitas com plasticina; uma grua de 23 metros com construções Meccano; uma pista de carrinhos Scalextric com 4,5 km de comprimento; uma linha de comboio Hornby em miniatura com 16 km e, isto já nos interessa mais, uma casa habitável inteiramente construída com as peças da Lego.

Não é certamente a primeira vez que alguém constrói um objecto tão grande unicamente com Lego, pense-se só nas várias Legoland que existem pelo mundo fora (Dinamarca, Inglaterra, EUA e Alemanha) onde existem inteiras cidades em miniatura feitas com Lego. Mas é certamente a primeira vez que alguém se lembra de construir uma casa onde possa habitar, só com Lego. Posso dizer isto melhor: é a primeira vez que alguém constrói uma casa onde possa habitar, porque lembrar-se de construí-la... creio que esta ideia já tenha passado pela cabeça de todos nos...

Mas James May não é um entre “todos nós” e, em 2009, a produção do seu programa comprou 3,3 milhões de peças Lego. Claramente era um desafio demasiado grande para uma pessoa só, por isso foi lançado um apelo no programa, e foi reunida uma equipa de 1200 voluntários para construir uma casa com dois andares, uma casa de banho completa e a funcionar, uma cozinha totalmente equipada, uma sala com cadeiras “design”, um quarto com cama e um gato. Tudo construído religiosamente e exclusivamente com peças Lego. Na realidade a casa tinha uma estrutura portante em madeira que era revestida em lego. Mas isto agora não interessa de nada porque a história não acaba aqui.

Ao chegar a Surrey, uma localidade a sudoeste de Londres, May e a sua equipa estavam à espera de encontrar algumas dúzias de pessoas que tivessem respondido ao apelo. Cerca de 1700 pessoas que se tinham juntado numa fila quilométrica, estando alguns à espera desde as 4h30 da manhã. 1200 foram aceites, 1500 tiveram que voltar para casa.
As pessoas foram divididas em equipas para fazer tijolos de 576 peças (12x8x6) e as obras continuaram ao longo de mais de um mês. No dia 17 de Setembro a casa ficou concluída.

O desafio ainda não tinha acabado porque James May tinha prometido que iria passar uma noite na casa, e assim fez. Numa noite de chuva, coisa rara num Setembro londrino, May experimentou a absoluta ausência de conforto da casa em Lego: qualquer superfície é picotada, andar descalço num chão Lego é uma verdadeira tortura chinesa; tudo é extremamente frágil, a belíssima réplica do cadeirão de Jacobsen em Lego esboroa-se literalmente mal May se senta nela; a cama não passa de uma caixa de plástico rígido. Um dos principais problemas surge, justamente, por causa da chuva: a casa mete água por todos os cantos, as junções não são estanques e, assim, não existe possibilidade de manter a água fora da casa ou, como é o caso do lavatório ou do chuveiro, de manter alguma água dentro dela. Um verdadeiro desastre.



Uma vez acabadas as filmagens colocou-se o problema do que fazer com a casa. May ofereceu-a à Legoland mas os dirigentes do parque temático recusaram a oferta uma vez que seria extremamente caro mudar a casa de sitio. Qualquer reconstrução para fins lucrativos estava fora de questão, uma vez que a Lego possui os direitos de autor para este tipo de instalações. O debate foi de tal ordem que se reuniu um grupo com mais de 3.500 membros no Facebook contra a demolição da casa.
A falta de licença, a precariedade da estrutura que tinha sido pensada efémera e a necessidade de libertar o terreno sobre o qual tinha sido construída foram razões suficientes para, à falta de outra solução, avançar com a demolição da casa. As peças Lego foram doadas para instituições de caridade e dela só ficou o registo televisivo.

Fonte: http://www.jamesmaystoystories.com/

Bruno Taut - da utopia aos brinquedos

Um dos aspectos que mais me interessa em alguns brinquedos desenhados por arquitectos é o de conseguir serem representativos não só do pensamento do autor como de todo o contexto arquitectónico e intelectual, no qual foram pensados e produzidos. É o caso deste brinquedo, umas construções desenhadas pelo arquitecto alemão Bruno Taut (1880-1938) em 1919, em que nenhum aspecto ficou deixado ao acaso e tudo remete para uma narrativa histórica e disciplinarmente mais complexa e articulada. Vamos ver:

Para os arquitectos, uma personagem incontornável mas praticamente desconhecido entre os não arquitectos, Bruno Taut é um dos mais importantes arquitectos expressionistas do século XX. Irmão de Max Taut, também arquitecto, Bruno teve uma carreira que possui duas facetas distintas que se cruzam frequentemente ao longo da vida profissional: uma de carácter mais intelectual e utópico e outra mais ligada ao funcionalismo e aos projectos de habitação, sobretudo no contexto do pós-guerra alemão. A criação deste brinquedo pertence, claramente, à fase mais intelectual e idealista podendo ser considerado como uma soma das várias linhas de pensamento que, naquela altura, Taut perseguia e, mais especificamente, do seu lado mais expressionista.

O princípio do século XX é extremamente rico na produção de construções. São centenas tanto de madeira como de pedra, mas este brinquedo possui uma singularidade que faz que em nada se pareça com as suas homólogas. Dandanah, o Palácio das fadas, é constituído por 62 peças em vidro colorido que se recolhem numa caixa octogonal em madeira. Esferas, cubos, paralelepípedos e prismas com arestas vivas e superfícies polidas podem ser utilizados para fazer construções ricas de transparências e de cores, caracterizadas por uma elegância e uma ligeireza que contradiz o peso da geometria das formas. Em suma, um brinquedo que nenhum pai minimamente prudente entregaria a um filho... De qualquer forma demonstra que Taut estava atento às teorias didácticas subjacentes às construções que apareceram em toda a parte na Europa, nos mais diferentes materiais, no seguimento das teorias pedagógicas de Fröbel ou de Pestalozzi, entre outros. Como já tive oportunidade de descrever, o princípio do século XX foi um período rico em grande alterações educacionais e escolares passando de uma visão estritamente doutrinal para uma maior liberdade do sujeito em construir o seu conhecimento. Um brinquedo de construções é um sistema aberto que possibilita um enorme número de variações possíveis partindo dos mesmo elementos base: a criança aprende fazendo (e brincando) não necessitando de uma doutrina prévia.

Antes de falar da utilização de vidro, vamos tentar perceber o porquê das cores.
A utilização da cor era algo de muito importante para Bruno Taut. Já nas primeiras obras, como foram as casas para a cidade-jardim em Falkenberg, de 1912/33, ou as do Siedlung em Magdeburgo de 1912/15, o arquitecto adoptou cores vivas como elemento linguístico característico da sua arquitectura. Em resposta a uma construção popular cinzenta, Taut mandava pintar os edifícios com cores contrastantes levantando, na altura, um grande debate crítico em torno da utilização da cor. O cinzento era, na altura, a cor dominante nos bairros populares e a burguesia costumava troçar destes edifícios apelidando-os de “pocilgas cinzentas”. Os moradores tentaram reagir a esta discriminação e quando pediram a Taut alguns conselhos para pintar as próprias casas este, após uma primeira fase pouco convicta, aconselhou-os a adoptar tintas com cores vivas. Foi um sucesso de tal ordem que em breve, sem nenhum tipo de publicidade, os bairros eram metas de visitas e estiveram envolvidos por uma polémica sobre a cor na arquitectura. As cores das casas transformaram-se em símbolos da luta de classe e as críticas da burguesia só serviam aos sócios das cooperativas como reconhecimentos da sua luta. A cor será, a partir desta altura, um dos elementos mais característico da obra de Bruno Taut e, mais tarde, de muita construção social do século XX pela Europa fora chegando a contagiar, em Portugal, muita obra, sobretudo no período pós 25 de Abril (veja-se, por exemplo, o bairro da Bouça no Porto do arquitecto Álvaro Siza em que o autor declarou explicitamente que a arquitectura de Taut foi fonte de inspiração).

Uma vez percebida a importância da cor, vamos avançar para explicar o porquê do brinquedo ser feito de vidro e, já agora, de vidro colorido.
Em 1914, o Deutscher Werkbund, a Federação Alemã do Trabalho (que mais tarde estará na origem da famosa escola Bauhaus), cuja função era a de juntar os esforços intelectuais e produtivos das artes com a da produção industrial, organizou uma exposição em Colónia. Para esta exposição Bruno Taut projectou o pavilhão da Indústria do vidro alemã, um edifício de planta circular cuja cobertura era uma grande cúpula prismática feita com paneis de vidro de cores diferentes (provavelmente as mesmas cores utilizadas no brinquedo Dandanah).
No interior encontrava-se uma cascata de água e as paredes eram revestidas em mosaico com partes metálicas e brilhantes. A luz que atravessava a cúpula criava, no seu interior, reflexos e brilhos de luz colorida criando um ambiente que tinha certamente algo de mágico. O edifício durou poucos meses e foi destruído em Agosto de 1914, quando rebentou a Primeira Guerra Mundial. O único testemunho que existe são umas fotografias a preto e branco que não conseguem transmitir a grandiosidade e o interesse desta obra. Segundo as crónicas da altura o pavilhão era considerado ridículo como exemplo da nova arquitectura. Por fora, o embasamento de betão era grosseiro e desinteressante e nada deixava intuir o seu interior; mas quando as pessoas entravam ficavam fascinadas de tal forma que este edifício se tornou uma das principais atracções da feira. No panfleto do pavilhão, Taut mandou escrever: “o edifício em vidro não tem nenhuma outra função que não seja a de ser bonito”. No seu interior uma frase do poeta e escritor alemão Paul Scheerbart: “o vidro nos leva para uma nova época, a cultura do tijolo só nos faz compaixão”.

Bruno Taut e Paul Scheerbart (1863-1915) conheceram-se no verão de 1913 durante um curso de pintura em vidro e mosaico e ficaram em contacto trocando cartas com muita frequência. No ano da feira de Colónia, Scheerbart publicou o seu ensaio Glasarchitektur (arquitectura de vidro) onde defendia uma futura sociedade industrial em que o vidro era considerado como material de construção emblemático (mais tarde, em 1917, Taut publicará o seu livro Alpine Architektur que será fortemente influenciado por esta obra). Estas teorias foram publicadas, sob a forma de um conjunto de textos, num volume das edições Sturm de Berlim e foram dedicados a Bruno Taut que tinha participado na sua formulação.
Apesar de ser clara a ligação intelectual que une Taut a Scheerbart, sobretudo no projecto do pavilhão do vidro para a feira de Colónia, não é de forma alguma clara como relação se manteve tão viva e produtiva apesar das profundas diferenças de carácter que separavam estas duas personalidades. Taut era uma pessoa de trato extremamente sério e severo, desde muito cedo totalmente dedicado ao trabalho e muito pouco dado a brincadeiras. Na sua biografia é possível ler que passou os primeiros anos da sua formação profissional na solidão, sem amigos, para ter tempo para estudar ou para participar em concursos de arquitectura cujos resultados lhe dariam créditos para ingressar nos melhores escritórios do país. Scheerbart, pelo contrário, viveu uma vida desregulada em muita boa parte passada a beber nos círculos literários berlinenses ou a escrever livros para ganhar dinheiro. Em 1900 casou com Anna Sommer, uma pacata viúva 10 anos mais velha, à qual alugava o quarto onde morava e com a qual teve uma relação extremamente turbulenta que esteve na origem do livro Von Zimmer zu Zimmer. 70 und seine Frau Schmoll um Liebesbriefe des Dichters (De sala em sala. 70 cartas de mau humor e amor do poeta à sua esposa). Em 1915 chegou a publicar o livro Das Perpetuum mobile. Die Geschichte einer Erfindung em que o autor tentava defender a absurda possibilidade de construir um instrumento de moto perpétuo.
Como Taut ficou influenciado por uma pessoa tão diferente dele é, de facto, um mistério; até porque também não é muito clara porque ele, de forma muito repentina, se entusiasmou com o vidro de tal forma como o fez. Uma das razões que posso encontrar é a necessidade que Taut tinha em reagir à condição política através de um manifesto arquitectónico. Não podemos esquecer que quando Hitler subiu ao poder Taut, então professor na universidade de Berlim, deixou a sua carreira para se exilar para o Japão, antes, e para a Turquia, depois. Esta pode ter sido a causa para ter feito uma espécie de propaganda cruzada com Scheerbart com o fim de potenciar a visibilidade de ambos; coisa que claramente o poeta não podia ver com bons olhos pelas razões já apontadas. O próprio Scheerbart morreu em 1915, na sequência de uma prolongada greve de fome, em protesto contra a guerra.

Outra ligação de Taut ao vidro encontra-se a partir de 1919 quando este é promotor da Glaserne Kette (corrente de vidro), uma espécie de “correspondência utópica” que, durante alguns anos, foi mantida viva pelas cartas escritas por treze arquitectos. Walter Gropius, cujo heterónimo neste circulo era Maß, Hans Scharoun, que assinava Hannes, ou Max Taut eram alguns entre os que, através de textos e de desenhos, procuraram encontrar os princípios fundadores para uma arquitectura do século XX. Mais uma vez o recurso ao vidro como material simbólico da modernidade é evidente: uma corrente de vidro é algo que ultrapassa uma simples relação de união ou de partilha, é algo que, pensando no momento histórico, implica uma invisibilidade pela transparência e, ao mesmo tempo, uma luminosidade, um brilho que une os seus elementos.
 
Mais alguma coisa pode ser dita acerca da caixa do brinquedo e, mais especificamente, acerca da sua forma octogonal que não é certamente casual uma vez que esta forma geométrica se encontra ancestralmente ligada a arquitectura. Desde as construções do Oriente, passando pelas bizantinas, as gregas e as romanas, esta forma geométrica esteve sempre ligada a uma forte simbologia. Muita arquitectura templária, por exemplo, remete para o número oito e o octógono para manifestar a passagem entre o quadrado da terra e o círculo do céu. Aos quatro pontos cardinais é preciso associar mais quatro pontos intermédios chegando aos oito pontos dos oito ventos, como a torre dos ventos em Atenas, justamente de base octogonal. O octógono é construído, partindo de um quadrado, através de uma operação geométrica chamada “o sacro corte”. O lugar onde acontece o ritual de entrada no mundo cristão é o baptistério, um edifício frequentemente de planta octogonal. O número oito é o símbolo da Virgem Maria, intermediária entre o homem e Cristo e a estrela com oito pontas o seu símbolo. Mas também para o Islão esta figura procura representar a ligação entre um mundo fenoménico e um humano, material e corporal.
O renascimento redescobre a utilidade do octógono, não só de um ponto de vista simbólico mas também construtivo e, em geral, arquitectónico. É de base octogonal a cúpula de Santa Maria del Fiore em Florença, obra-prima do Brunelleschi. Esta utilidade é aplicada, na segunda metade do século XIX, por Orson Fowler (1809-87). O que liga este pseudo-cientista à arquitectura é o facto dele, em 1853, ter publicado um livro com o título “A Home for All or The Gravel Wall and Octagon Mode of Building New, Cheap, Convenient, Superior and Adapted to Rich and Poor” onde defendia o octógono como a melhor forma para uma habitação. Estes são só alguns exemplos aos quais, querendo, podia-se juntar a Cúpula da Rocha, em Jerusalém, muitos edifícios bizantinos ou torres medievais; entre edifícios ou partes de edifícios a lista seria praticamente interminável.
Para compreender a ligação de Taut ao octógono é preciso não esquecer que este teve, desde muito cedo, ligações intelectuais tanto com o oriente, tendo vivido no Japão entre 1933 e 1936, como com o médio-oriente, desde 1936 até ao dia da sua morte, em Istambul. Além disso, muito antes de ter desenhado o brinquedo, em 1916, participou, sob pedido da direcção do Werkbund, num concurso para a construção de uma “casa da amizade” turco-alemã em Istambul com um projecto que não foi aceite. A cultura simbólica turca e bizantina não lhe era estranha e, precisamente neste concurso, procurou uma síntese arquitectural das antigas tradições turcas.

Finalmente não posso deixar de lembrar o enorme interesse e talento que Taut tinha para a geometria e para a matemática. Não sabemos se este talento era real ou fruto da sua fantasia e convicção mas a verdade é que as figuras geométricas dos brinquedos denunciam uma particular atenção à modulação e à composição geométrica juntamente com um grande rigor dimensional e formal. Taut tinha sido aluno num liceu que confinava com a igreja e com a capela onde tinha sido sepultado Emanuel Kant. Desde então tinha-se convencido que o espírito do grande filósofo, que devia certamente estar presente na sua escola, tivesse aumentado as suas capacidades para o pensamento teórico e abstracto. Esta certeza estava de tal forma enraizada nele que ainda em fim de vida argumentava frequentemente citando Kant.

É agora evidente que quando, em 1919, Taut projecta o Dandanah, pensa num brinquedo que possa conter toda a complexidade da arquitectura teórica que estava a organizar e a divulgar naquela altura. Apesar do vidro não ser, de forma alguma, um material comum para um brinquedo, razão pela qual poucos exemplares destas construções chegaram até à actualidade inteiros, o Dandanah tem que ser observado para além da sua utilização lúdica. Nele se encontram muito dos elementos teóricos e materiais que acompanharam a vida profissional e intelectual de Bruno Taut, os mesmo que o consagraram num marco incontornável da arquitectura do século XX. Além disso, Dandanah é certamente um dos poucos brinquedos onde se encontra algo que certamente as crianças ainda não compreendem: uma verdadeira utopia.

Actualmente uma versão do brinquedo é produzida pela Vitra e custa cerca de 900 euros.

Algumas fontes:
Junghanns, Kurt. 1984. Bruno Taut. 1880-1938. Milano: Franco Angeli
Taut, Bruno. 1920. Escritos 1919-1920. Madrid: Biblioteca de Arquitectura El Croquis Editorial

XVIII Automobilia - Feira Internacional de Trocas e Vendas (Aveiro)

Para quem esteja interessado, neste fim-de-semana vai haver a XVIII edição da Automobilia.
Do site da Camara de Aveiro: "O Clube Aveirense de Automóveis Antigos - CAAA promove, nos próximos dias 22 e 23 de Maio, mais uma edição da Automobilia de Aveiro – a décima oitava. Este evento é considerado por todos os aficionados do coleccionismo de veículos antigos, como o certame com maior expressão nacional e internacional do sector, tendo-se transformado numa espécie de “Mecca do coleccionismo” em Portugal." Além disso este evento é uma referência a nível nacional para a venda e troca de miniaturas e brinquedos.

No Sábado, dia 22, a exposição pode ser visitada das 10.00 às 21.00 horas, e no Domingo, dia 23, entre as 10.00 e as 20.00 horas.

Exposição de brinquedos portugueses na Maia

No Museu de História e Etnologia da Terra da Maia vai estar patente, até 28 de Agosto de 2011, a exposição “Brinquedos do nosso mundo”.
Do site: “A segunda fase da exposição (...) resulta de uma parceria  entre a Câmara Municipal da Maia e dois coleccionadores particulares, desenvolve-se em duas salas, uma dedicada exclusivamente ao brinquedo português e outra com uma colecção de bonecas de todo mundo e bonecas antigas e actuais, colecção esta que substitui a colecção de brinquedos do Museu de Seia que esteve patente até finais de Fevereiro.”

A parte da exposição relativa ao brinquedo português, de responsabilidade do coleccionador Carlos Anjo, apesar de ser bastante pequena consegue ser suficientemente completa e heterogénea para que o visitante consiga ter uma boa panorâmica de um universo que as novas gerações certamente desconhecem. Osul, Metosul, Hércules, Armindo Moreira Lopes, José Augusto Júnior, Fabrinca ou PEPE são só algumas das marcas que, entre os anos 1940 e 1970, fizeram vibrar muitas crianças portuguesas.

Merece uma visita.

Horários:
Terça a Sexta-feira:
09:30h – 13:00h
14:00h – 17:30h
Sábado e Domingo:
14:30h – 17:30h

Contactos:
Praça 5 de Outubro
Santa Maria de Avioso, 4475 – 601 Maia
Tel: 229871144

Mechanix Illustrated - Abril 1947


Em 1947, nos Estados Unidos, um dos "educational value" era aprender a betonar. O que ficamos sem saber é se era para educar um arquitecto ou um capataz . Estou mesmo a imaginar os papéis da brincadeira: o pequenote no meio, de camisa, era o trolha, à sua direita, de fato, o engenheiro fiscal, à sua esquerda, com gravata vermelha, o arquitecto e, atrás de todos, também de fato, o empreiteiro...  de qualquer forma, delicioso. 
fonte: http://blog.modernmechanix.com/

A casa de bonecas de Rietveld

A personagem principal desta história é Gerrit Thomas Rietveld (1888-1964). Para os arquitectos não necessita de apresentações. Para os não arquitectos deixo a sua apresentação a uma rápida pesquisa com Google: entretenham-se com, pelo menos, quatro pesquisas: Gerrit Thomas Rietveld, Neoplasticismo, Theo Van Doesburg e Piet Mondrian. Creio que isto chegue para arrumar algum conhecimento e poder continuar a leitura deste texto.
Gerrit Thomas Rietveld, holandês, ou neerlandês, como se deveria dizer mais correctamente, além de ter sido um arquitecto extremamente importante para o século XX, sobretudo com as suas primeiras obras como a casa Schröder em Utrecht, chegou a desenhar várias peças de mobiliário (a famosa cadeira Red and Blue) e alguns brinquedos.

Vamos justamente começar por alguns dos brinquedos que, além de serem projectos de juventude, são claramente ligados ao movimento artístico De Stijl: o trenó, a charrete e o carrinho de mão.
O trenó já não existe e tão-pouco existem imagens. Em Março de 1921 foi apresentado numa exposição de artesanato em Zwolle, uma pequena cidade a este de Amesterdão. Acerca dele não se conhece nada senão uma crítica no jornal ilustrado Elseviers Geïllustreerd Maadschrift que dizia: “Julgo mais interessante como criação muito moderna o trenó de Rietveld, fruto das concepções do movimento De Stijl”. Desta descrição compreende-se que o trenó era composto segundo a linguagem neoplástica que Rietveld utilizou no seu mobiliário e noutros brinquedos. Rectângulos e quadrados pintados de vermelho, azul ou preto e com as faces serradas pintadas de branco. As peças de madeira, de geometrias extremamente simples, são todas unidas através de assemblagens com cavilhas para aumentar o sentido de artificialidade e de estrutura intelectual de cada artefacto.

O mesmo sistema construtivo foi adoptado para a charrette. Esta peça, datada de Maio de 1923, é citada numa carta que Walter Gropius (1883-1969) escreve a J.J.P. Oud (1890-1963) dizendo que apesar de ter interesse nos brinquedos de Rietveld, não poder apresentá-los na exposição (provavelmente uma exposição da Bauhaus em Weimar) porque dos autores que não pertencem à Bauhaus só são expostas obras de Arquitectura. Da charrette existiram vários exemplares, alguns com capota de tecido e outros com barras de secção redonda. O Victoria & Albert Museum de Londres possui uma peça original que foi cedida, em 1975, pelo pintor Bernard Gay (1921-2010).

A terceira peça é o carrinho de mão. Em 1923 Rietveld envia uma carta ao amigo e colega J.J.P. Oud onde aparece o desenho do carrinho de mão. O carrinho, que será construído para o filho de Oud, então com 4 anos de idade, também seguia a linguagem neoplástica e era composto por formas geométricas elementares assembladas sem encaixes. Um exemplar do carrinho de mão foi vendido, em Dezembro de 2004, pela casa leiloeira Sotheby’s de Nova Iorque e adquirida pelo Museu de Brooklyn (onde se encontra agora) por um valor que deve rondar, pelo menos, os 10.000 dólares. 

Ora a bem dizer estes três brinquedos davam material para continuar a discursar sobre Rietveld, o neoplasticismo, o De Stijl, etc... Mas acontece que, em boa verdade, apesar de não poder deixar de falar neles, eu queria escrever sobre uma coisa que Rietveld fez no princípio dos anos 50 e que despoletou uma pequena investigação que se concluiu, justamente, alguns dias atrás. Deixem-me contar a história e depois contarei como lá cheguei.

Rietveld tinha um amigo chamado Nico Jesse (1911-1976). Nico era médico, formou-se em 1937 e passou a Segunda Guerra Mundial como médico de família, mas do que gostava realmente era de fotografia. Gostava tanto que em 1941 teve a sua primeira exposição em Utrecht (que foi inaugurada pelo amigo Rietveld) e, em 1956, decidiu abandonar a medicina para se dedicar integralmente a esta arte. Valeu a pena porque se tornou num excelente fotógrafo tanto de paisagem e, sobretudo, de retratos. De Jesse ficou famoso o livro sobre as mulheres de Paris.
Em 1951, Nico Jesse morava com a mulher em Tienhoven, uma pequena cidade a sul de Utrecht. O casal tinha 5 filhos, 4 meninas e um menino e Nico tinha regressado da guerra e ainda exercia a profissão. A retoma económica do pós-guerra prometia alguma melhoria para esta família. Assim resolveram pedir ao amigo Rietveld um projecto para renovar a casa e desenhar alguns móveis novos. Rietveld aceitou e desenhou várias peças de mobiliário; entre estas uma notável versão da cadeira ZigZag para crianças (1944), umas mesinhas redondas (1941), umas cadeiras de madeira pintada (1942) e uma cama desmontável para crianças (1950).
Não sabemos se foi um pedido de Nico Jesse ou uma iniciativa de Rietveld, mas a verdade é que, em 1952, Koos van Vliet, um carpinteiro de Ameide, uma terra próxima de Tienhoven, construiu uma casa de bonecas seguindo um projecto do próprio Rietveld. Esta casa, completa com móveis, pátio e jardim, foi dada aos filhos como prenda de Natal no mesmo ano.
Não é de estranhar o pedido uma vez que Rietveld tinha a característica de fazer maquetas particularmente realistas dos seus projectos. Qualquer pessoa que frequentasse o seu atelier ficaria entusiasmada com a perfeição destes pequenos modelos onde eram reproduzidas as texturas e as cores das paredes, as caixilharias e, em certos casos, parte da envolvente e alguma peça de mobiliário. Rietveld tinha uma grande habilidade manual e não podemos esquecer que era filho de um carpinteiro com o qual chegou a trabalhar na juventude.

O projecto que Rietveld entrega a Koos van Vliet para construir a casa de bonecas é claramente uma versão alterada de um projecto que o arquitecto tinha feito, em 1947, para um novo bairro em Ijssestein. Este empreendimento, que nunca chegou a ser construído, contava com cerca de cem casas claramente inspirado num bairro operário, sempre projectado por Rietveld em 1941, na cidade de Breda. Apesar de existirem diferenças no que respeita às dimensões das casas, permitindo consideráveis diferenças tipológicas, estes dois projectos partilham um núcleo central com uma escada hexagonal, um sistema de meios pisos e o facto de serem habitações em banda com duas frentes livres.
Para a casa de bonecas Rietvel conserva o princípio geral de implantação com duas frentes livres, duas empenas e o sistema de meios pisos mas altera o sistema das escadas passando-as do centro da casa para junto de uma das empenas. Desta forma retirando uma parede lateral é possível ter acesso aos principias compartimentos da casa e às escadas que ligam o r/c ao restantes pisos. Além disso a estrutura de madeira permite a remoção do telhado para ter um livre acesso ao quarto e a casa de banho do primeiro andar, que se encontram mais afastadas da parede móvel.
Estes detalhes denunciam a sensibilidade de Rietveld para as diferenças que devem existir entre uma casa de bonecas e uma maqueta de arquitectura. A recolocação das escadas numa zona mais periférica, as partes amovíveis e o facto de existir um r/c de planta livre, são todos factores que permitem às crianças ter acesso a toda a casa, coisa que nem sempre pode acontecer em modelos reduzidos de edifícios reais. Além disso, a centralidade do sistema escada/salamandra/chaminé refere-se não à geometria do edifício mas sim à sua utilização por parte de quem brinca uma vez que é colocado justamente no meio da parede removível deixando todos os serviços do lado oposto. Por outras palavras, todos os sistemas tipológicos e tecnológicos são adaptados para serem coerentes com uma utilização da casa enquanto objecto para brincar e não, como seria de esperar numa mera redução, enquanto edifício habitável.

A casa possui um elevado nível de realismo: as janelas possuem caixilhos pintados a imitar ferro e vidros, alguns dos quais foscos por causa da privacidade; os pavimentos são, onde necessário, revestidos em tecido a imitar alcatifa e, onde não necessário, pintados; os equipamentos sanitários são completos com torneiras, tubos e toalheiros; há cortinas com os respectivos varões e todas as portas têm o próprio puxador. Não faltam a já referida chaminé da salamandra, que aquece também o quarto do primeiro andar, e o cilindro para a água quente na casa de banho do quarto de casal. Todos os compartimentos são iluminados através de candeeiros eléctricos, de tecto, no r/c, e de mesa nos quartos. Segundo o que consta, estes candeeiros, quando ligados, aqueciam de tal maneira que, ao brincarem com a casa, as filhas do doutor Jesse estavam constantemente a queimar os dedinhos. Sem considerar que todo o sistema eléctrico estava ligado directamente à rede doméstica, sem transformador, representando assim uma verdadeira armadilha para as crianças que podiam ficar, de um momento para outro, electrocutadas. Nico Jesse era médico, em casa de ferreiro...

Toda a casa estava também equipada com móveis desenhados por Rietveld. Entre estes são notáveis as miniaturas das cadeiras zigzag (que estava no mercado desde 1934), a mesa e os cadeirões iguais aos que Rietveld tinha desenhado anteriormente para a casa da família Jesse. De forma geral, todos os móveis são miniaturas de móveis desenhados por Rietveld sendo que, na monografia dedicada a este arquitecto (Gerrit Th.Rietveld 1888-1964, L’oevuvre complet), pode-se ler, em relação à mesa redonda publicada a p. 206: “a casa de bonecas da família Jesse contém uma miniatura deste móvel”.

Um pormenor que, ao ser divertido, não deixa de ser curioso: dos cinco filhos do doutor Jesse quem ficou com a casa das bonecas foi o único rapaz, Rutger e que o mesmo se formou mais tarde em Arquitectura.

Quanto à casa das bonecas, foi leiloada pela primeira vez na leiloeira Christie’s de Amesterdão e comprada por um particular norte-americano. Em 2004, foi leiloada outra vez, agora em Nova Iorque, pela leiloeira Sotheby’s com um valor de referência entre os 15.000 e os 20.000 dólares. Actualmente encontra-se no Brooklyn Museum de Nova Iorque.

Uma coisa interessante é que foi o filho de Nico Jesse, Rutger, quem fotografou exaustivamente a casa de bonecas antes de ter sido leiloada a primeira vez, em 1988, em Amesterdão. E é justamente graça a este registo fotográfico que esta peça é hoje duplamente conhecida: como objecto produzido por Rietveld e como sujeito fotografado por Jesse. As fotografias são, além disso, extremamente cuidadosas ao tentar reproduzir o modelo como se fosse em escala real através de uma atenta escolha de ângulos de vista e de objectivas.

Agora que contei a história da casa de bonecas de Rietveld, gostaria explicar brevemente como consegui encontrar estas informações. Vários leitores me perguntaram como encontro o material dos textos de archi-toys e esta história vem mesmo a calhar.

A Internet é a base de toda e qualquer investigação que queiramos ou possamos fazer hoje em dia. Apesar de não ser a única e mais fiável fonte de informação, não há dúvidas que é um meio incontornável. É aí que as coisas começam e é cada vez mais aí onde acabam (archi-toys é mais um exemplo disso).
Ora enquanto “passeava” na rede, encontrei uma fotografia de uma casa de bonecas com a legenda a dizer: “Gerrit Rietveld dollhouse” (não me perguntem como a encontrei, porque além de não saber, não penso que seja minimamente importante). Abro o Google e começo a pesquisa. Entre várias coisas encontro um blog onde uma senhora comenta que já escreveu um artigo sobre esta casa de bonecas e que, além disso, conhece um livro onde existem algumas fotografias. No mesmo dia escrevo à senhora (a única coisa que sabia na altura era que tinha uma conta mail e que se chamava Karin Wester), digo quem sou, o que faço e peço ajuda para escrever uma peça sobre o assunto. Segue-se uma troca de mails em que Karin Wester demonstra uma grande simpatia e generosidade: não só me envia logo o seu artigo via mail como me coloca em contacto com a instituição que publicou um livro sobre o médico e fotógrafo Nico Jesse, onde se encontram as fotografias da casa de bonecas e, além disso, envia-me mais artigos dela, sempre sobre outras casas de bonecas, por correio normal. Pela documentação que chega, infelizmente toda em holandês, chego a saber que Karin Wester é uma conservadora no Museu de Westfries em Hoorn, além de ter escrito um livro sobre bonecas e ter um interessante site sobre casas de bonecas holandesas.
Claramente queria o livro. Escrevo para Gert Groenendijk, do Historische Vereniging Ameide em Tienhoven, que é a instituição que publicou o livro de Jesse e que já tinha sido alertada do meu interessa através de um mail de Karin Wester. Uma troca de mails um pouco surrealista entre um italiano que fala português e escreve mal inglês e um holandês que responde num português traduzido com o Google do holandês consegue, milagrosamente, fechar um negócio de 9,24 euros. Além disso, Gert Groenendijk, que se revelou também muito simpático e paciente, fez questão de me dizer que gostou de Lisboa em 98 quando visitou a Expo e de me enviar o link do site do filho Joost, que é fotografo, e que esteve no Porto em 2007 onde tirou umas magnificas fotografias. O mundo é mesmo pequeno.

Ao material que fui recebendo juntei alguma pesquisa na biblioteca da FAUP e mais alguma informação sobre os outros brinquedos desenhados por Rietveld acerca dos quais falei no princípio do artigo. Depois, comecei a escrever...